02/05/2014

Minha noite na emergência

ou... O dia que meus gatos armaram contra mim...
(ou seria contra D. Mari?)

Outro dia, de noite, eu resolvi correr pela casa com meu gato. É uma das brincadeiras favoritas dele, correr atrás da gente. Tenho dois gatos de pouco mais de um ano. Eles são grandes. A Zoe pesa uns 5 quilos e o Zeca mais de 7kg. Correndo o bichinho parece um potro. 

Os gatinhos quando chegaram
O Zeca não sabe bem que é um gato. Ele poucas vezes viu um cachorro na vida (mas viu muito guaxinim pela janela), mas ele age como se tivesse crescido com uma alma canina. Ele pede pra brincar, adora correr atrás de uma bolinha, segue a gente pela casa, pede atenção e é super social com as visitas - principalmente as femininas - ele muitas vezes fica deprimido quando elas vão embora. 

A Zoe é mais na dela, brinca sozinha contra monstros imaginários e é louca por carinho na barriga. Dentro dela mora um motorzinho de ronrom que não para nunca. Ela conversa muito comigo e nos comunicamos muito bem - por exemplo ela não sobe no meu colo sem pedir permissão, que eu dou piscando os olhos demoradamente - e obedece quando a chamo pelo nome. Ela também prefere as visitas femininas, mas não dá muita bola pra ninguém antes de conhecer bem a pessoa - o que pode demorar meses.

Motor de ronrom
Anyways, eu estava em casa, de banho tomado e depois de jantar e o Zeca pediu pra brincar comigo. Estávamos brincando de correr atrás da mosquinha entre a sala e o quarto quando ele, num momento de distração minha, ele se enfiou no meio das minhas pernas. Eu perdi o equilíbrio, girei o corpo e bati de cara na parede. Tudo ficou preto senti minha boca encher de sangue. Girei o corpo e caí no corredor, com uma dor indescritível na boca.

D. Mari veio correndo (quer dizer, correndo mais ou menos que ela ta ruim das costas). Ela só viu meu corpo estendido no chão e dois gatos me olhando culpadíssimos. Espantada, me disse pra ter calma e não ficar com medo. Me levou no banheiro e limpamos minha boca. Eu cortei o lábio inferior em dois lugares - dentro e fora. A pancada foi tão forte que fez um buraco na parede em forma de dentes que ficou cheia de sangue. Não perdi os dentes por sorte. Bom, a Mari limpou o quanto pode mas disse que não sabia se eu ia precisar levar pontos ou não e que havia tinta presa no meu machucado que não saía.

Zeca pedindo pra brincar
Ligamos para um serviço do governo que te coloca em contato com uma enfermeira. D. Mari ligou e passou o telefone pra mim - a enfermeira queria falar directamente comigo. Ela perguntou meu nome e alguns dados. Eu respondi como pude e falei que mal conseguia falar devido ao corte na boca. Ela me perguntou se eu me sentia segura de deixar a Mari falar por mim. Eu disse que sim e passei o tel pra Mari.

As instruções que a enfermeira deu foram exatamente o que D. Mari já havia feito - limpar, colocar gelo etc. Só que por conta da tal tinta no lábio fomos parar na emergência do St. Michaels. 

No caminho eu falei pra Mari: vão achar que você me bateu. Se prepara.

E não deu outra. Respondi aos questionários da recepcionista quase sem conseguir falar. Queria que a Mari respondesse por mim, mas não deixaram. Enquanto esperávamos o atendimento ela era encarada com desconfiança pela staff e outros pacientes. Uma enfermeira me chamou num canto para fazer perguntas sobre como eu havia me machucado. Enquanto eu contava a historia (eu estava brincando com meu gato ele me atropelou e eu bati de cara na parede) notei que a história não fazia muito sentido. A enfermeira olhou para mim e perguntou:

Você tentou matar a mamãe!
Foi sem querer!


- Você se sente segura na sua casa?

- Sim, sim!

- Quem é aquela moça que veio com você?

- Minha companheira.

- Você sofre algum tipo de abuso?

- Não.

- algum episódio de violência doméstica?

- Não.

- Você tem certeza?

- Tenho! Foi o gato! E foi sem querer! Ele não queria, ficou assustado, pediu desculpas! Eu juro!

- Ok, você pode aguardar que a médica já vai te atender.

Voltei pro lado da D. Mari. Ela estava assustada.

- Tá todo mundo me olhando com cara de que eu bato em mulher em casa!

- Pois é. Eu te disse. Ninguém acredita na história do gato.

Gatos armando uma emboscada com seus olhos de laser.

Alguns minutos depois veio a médica. Ela me levou pra sala e achei que D. Mari estaria logo atrás da gente, mas ela não veio. Depois ela me disse que a enfermeira olhou feio pra ela e que ela achou melhor esperar do lado de fora.

Dentro do consultório, dois cartazes gigantes sobre violência doméstica.

A médica, novamente, me perguntou como tudo aconteceu.
Eu expliquei, já sabendo que ela não ia acreditar muito. Tentei colocar uma pimenta a mais, dizendo que eu sou mesmo desastrada:

- É que eu semper me machuco bestamente. Ano passado passei o ano inteiro quase sem andar por que caí da cama.

- Como assim, caiu da cama e ficou tanto tempo sem andar? O que realmente aconteceu?

Putz… acho que piorei as coisas, mais um acidente com cara de violência domestica.

- foi no méxico doutora, eu caí do beliche. Mas deixa pra lá.

Bom, ela limpou meu lábio. Havia pedaços da parede dentro do lábio e ela não conseguia entender como aquilo podia ter acontecido (foi o gato!). No final me liberou com a prescrição de ficar com gelo na boca e só.


Fomos pra casa. Eu com dor, D. Mari com horror.

Mas fiquei feliz de saber que eles te dão chance MESMO de falar em caso de estar sofrendo violência doméstica.

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ADENDO

No outro dia fomos fazer nossas taxas e eu ainda estava com a cara toda fudida. Contei a historia do gato para o contador que chamou a secretária portuguesa dele. Quando cheguei na parte em que todos achavam que D. Mari me batia ela contou que alguns anos atrás se queimou na cozinha com água quente. O Marido a levou no hospital e não havia quem acreditasse que ele não havia causado o acidente.



Sinistro.